sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Um blind date para recordar...



Ju:
Era um dia como outro qualquer até que aquele rapazinho com quem costumava falar no msn, propôs marcarmos um encontro para nos conhecermos… Não tinha grande vontade de passar daquela cena cibernética mas ele tanto insistiu que lá aceitei com a condição de levar uma amiga (a Jess, claro - apesar de não a ter informado). Ele disse que então levava um amigo e combinamos encontrar-nos nessa mesma noite.
Era a primeira vez que iria conhecer alguém com quem teclava na net, no entanto não criei qualquer expectativa, uma vez que não tinha intenção de tirar dali qualquer fruto, quando muito uma amizade. “É só um café”, pensei… O rapaz parece ser simples e até tem um ar saudável, toma-se um café, fala-se um bocadinho e adeus até um dia… Sempre seria um Domingo diferente.
Sim, de facto foi um Domingo diferente, mas não pelos melhores motivos…

Jess:
Sabem quanto tempo é necessário para produzir um pacote de leite? Pois, eu também não sabia, mas aparentemente a resposta certa é um minuto. Trivial e redondamente parolo! É que o Júlio trabalha numa fábrica de leite e pelos visto esta conversa sobre vacas deve pegar lá pelos lados de Vale de Cambra.

Zé, ou melhor José Vicente e Júlio eram os nossos acompanhantes. Uma espécie de Zé Povinho dos tempos modernos seria uma descrição mais do que realista destas duas personagens. O Zé, amigo virtual da Júlia, trabalhava nas vindimas no Verão e durante o ano ganhava uns trocos como pintor. Tinha olhos verdes e cabelo de um tom castanho queimado pelo sol. Não era feio, mas também estava longe do que a Ju idealizara. “É só um café” disse a minha amiga e com isso deixou-me sem argumentos para passar um serão agradável a ver Fox Life (Domingo à noite é sinónimo de filmes, séries, pipocas e pijama confortável). Claro que quando fui informada do encontro já estava tudo combinado, com os moços já a caminho do Porto vindos de uma aldeia algures em terras de Vale de Cambra (segundo o portal Itinerário 55min só para chegar ao Porto, sem contar com a distância da aldeia).

Ao início, a conversa foi estranha e pouco natural, depois ficaram um pouco mais à vontade, para mal dos meus pecados.
-Tens namorado?
-Não! – foi a minha réplica seca. A Ju lançou-me um olhar de poucos amigos.
- Porquê? – insistiu o Júlio.
- Porque estou bem assim.
-É uma pena. Provavelmente ainda não conheceste a pessoa certa.
-Pois, é isso. Ainda não conheci a pessoa certa!- respondi dando ênfase a palavra “ainda”. Olhei em volta e tentei mostrar-me atenta à conversa do outro casal.

-Mostra lá!- pedia a Ju, com voz de criança mimada, ao Zé.
Ele escondia as mãos sob a mesa e a Ju continuava a insistir.
- Vá lá, quero ver! Mostra lá as tuas mãos!
- é que não gosto…São feias – coitado o rapaz estava deveras incomodado, eu se fosse ela tinha deixado o assunto morrer, mas a Ju é super curiosa e mais que isso teimosa!
- Mostra lá!
E meio contrariado lá tirou as mãos debaixo da mesa e pousou-as lentamente sobre a mesma (não sei se foi mesmo lentamente ou se o dramatismo e suspense ajudaram a prolongar a cena no tempo).
Bem, ele não tinha exagerado. As mãos eram mesmo horríveis!
-Ahhh – a Júlia não conseguiu conter um pequeno grunhido de surpresa e conhecendo-a como conheço sei que foi preciso todo o seu auto-controle para não fazer mais nenhum reparo e não desviar o olhar de repulsa de repente. Sabem, é que ela às vezes é muito esquisitinha com estas coisas, além disso é daquelas pessoas que adora as mãos de um homem (repara logo se as unhas não são roídas e coisas do género). As mãos do Zé eram escuras, queimadas pelo sol e rugosas para um rapaz tão novo. As unhas, de tão roídas não eram mais do que uma pequena mancha nos dedos inchados.
O Júlio tentou quebrar o gelo.
- Bem estas estradas estão em tão mau estado que estão mesmo a precisar de um zíper - lógico que ele não usou o termo zíper e sim fecho éclair, mas soa tão mal :(. Enfim, escusado será dizer que eu e a Ju trocamos olhares de verdadeiro terror. E se aparecesse alguém conhecido? Pior e se decidissem ficar sentados connosco? Será que iam pensar que estávamos num encontro tipo aos casais (Urggrrr)? E com certeza que iam julgar-nos totalmente desesperadas ao ponto de combinar um encontro às cegas pela Internet! De repente a escolha do local parecia muito pouco apropriada…

- … umas ovelhas – estava o Júlio a contar.
-Ovelhas?- perguntei repentinamente interessada na conversa. Ok, eram muito parolos, mas um criador de gado é um criador de gado. Já imaginava uma quinta branca, ao cimo de um monte com um mural de azulejos típicos e rodeada por vastos campos e quem sabe uma pequena vinha! Olhei para o Júlio com renovado interesse, era um pouco calvo, mas tinha braços fortes e havia algo de muito másculo nele (provavelmente o cheiro – concluí menos empolgada) mas isso também não é o mais importante! Além disso podia ser filho do dono da fábrica de produção de leite o que o tornava a pessoa mais interessante naquela sala!
-Sim. O meu pai tem 3 ovelhas e 5 cabras. A minha mãe faz um queijinho que é uma maravilha - e com isto perdeu todo o interesse!
Tinha que fazer algo e já!
- Amiga, estás com os olhos todos borratados!
- Sério!? Oh, que maçada – a Júlia tirou um pequeno espelho da mala e verificou a maquilhagem perfeita – Está mesmo! Vens comigo até ao WC?
- Claro! Já voltamos - despedi-me com um sorriso dos nossos acompanhantes e quase empurrei a Júlia- Rápido temos que pensar numa maneira de por fim a este martírio!

O plano era simples. Assim que voltássemos para a mesa, discretamente (colocando o telemóvel sob a mesa) ligava para a Ju, que simularia uma conversa e consequentemente fornecia-nos uma boa desculpa para abandonar o local tão rápido quanto possível. Não tinha como errar, até porque já tivemos que recorrer a este pequeno truque em outras situações críticas.

Voltamos à mesa com novo ânimo. Fomos simpáticas e até rimos de algumas piadas (sem graça) para não levantar suspeitas e parecer que realmente estávamos a desfrutar da companhia daquela dupla de parolos.

Discretamente por debaixo da mesa marquei o número da Ju (está em spead dial o que facilitou a tarefa). Ela deixou tocar alguns momentos e deitou um olhar enfadado à mala.

- Bem, que insistente! É melhor atender – decidiu resignada. Levou alguns instantes a procurar o telemóvel.
- É a Luísa – informou . “Está?” … “Sim Lu, tá tudo bem e contigo? O que se passa?” .. “Hum hum”… “Se demoro?” Um pouco… não sei.”… “Sim, a Jess está comigo”… “Mas afinal o que foi que aconteceu!?” ... “O quê? Como?”… “Sei.. pois… realmente é complicado”
-O que foi Ju? – perguntei curiosa e com ar preocupado.
A Ju tapou o fone e explicou: -É a Luisa. Veio deixar o lixo à rua e trancou-se cá fora.
-“Sim, querida estou aqui, estava só a contar a Jéssica” … “Sim, tenho chave do teu prédio” … “mas não aqui comigo”. “ Não é claro que… pois”
-Que se passa? – a Ju volta a tapar o fone.
- A coitada está de pijama à porta do apartamento e o Nico está à porta a miar! Coitado, deve estar assustado. “Sim, querida eu percebo, nós já vamos para aí. Beijinhos … não te preocupes eles vão compreender – lançou um olhar suplicante e de culpa aos rapazes – “Até já.”

-Bem temos que ir - informou-me algo resignada.
-Então? Acabamos de chegar.
-Sim, acabamos de chegar – lamuriou-se o Júlio.
-É uma emergência. Eu realmente sinto muito.
-Precisam de boleia? - perguntou o Zé enquanto nos seguia pela rua, depois de pagarmos as bebidas.
-Não, deixa estar - olhei a praça e a pela primeira vez na noite alguma coisa correu bem - ali está o nosso autocarro. Fica mesmo á porta e vocês ainda têm um longo caminho pela frente- concluí sorridente.
- Adeus, até uma próxima.
Despedimo-nos com dois beijinhos e entramos sem mais demoras no autocarro, onde suspiramos de alívio.

-Bem desta já nos safamos! – disse a Júlia entre risos.
-Nem penses cara amiga. Estás em dívida para comigo para toda a eternidade!

Nota:
Quem leu o post até ao fim deve estar neste momento a perguntar "mas afinal o que tem isto a haver com compras!?" A resposta é simples: Rigorosamente nada! Mas espero que sirva de lição à Ju e não só. No próximo encontro às cegas quero pelo menos umas referências favoráveis de amigos! Foi tão mau que tive mesmo que partilhar convosco. Com ou sem compras.
*Jess

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