sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Jantar amargo...



Ser boa samaritana não compensa e dá muito mau resultado...

Ontem, quando cheguei a casa depois de mais um dia de trabalho, mal acabo de abrir a porta vejo a Jéssica com um sorriso de orelha a orelha a oferecer-se para me tirar o casaco, a perguntar como correu o dia, etc... Achei muito estranho não estar deitada no sofá como costume a ver a novela das 7h ou o Esquadrão da Moda no People and Arts, mas ok... Talvez estivesse numa de dar valor à fantástica amiga que sou...
Quando me diz:
- Estás tão bonita! Essas calças ficam-te mesmo bem! - enquanto me segue até ao quarto, sento-me e digo:
- Ok, Jess, diz lá o que queres...
Meio embaraçada, insistindo que as calças me ficam mesmo bem lá começa a contar que esteve a falar imenso tempo com o Gustavo, que ele é super querido para além de giro e simpático e que a tinha convidado para sair nessa noite. A um restaurante muito in (e muito caro). Até aqui tudo bem. Digo-lhe que faz muito bem ir, que se divirta. Mas ela senta-se ao meu lado, pega-me na mão e fica a olhar para mim.
- Que foi, Jess? Queres que te empreste alguma coisa? Na boa, podes ver no...
- Ju, tens que vir comigo!
- Ah??? Por alma de quem?
- Ju, por favor! Ele vai levar também um amigo, já combinamos tudo...
- Como??? Combinaram tudo sem me consultar? Desculpa Jess, não estou para aturar cromos, além do mais esse restaurante é caríssimo, eu não tenho dinheiro e tanto quanto sei, tu também não!
- Oh Ju, certamente que ele vai pagar a conta!
Ai meu Deus, esta rapariga não muda. Ela bem sabe que eu detesto sair de casa de mãos a abanar. Mesmo que saiba à partida que os "cavalheiros" tomarão conta da despesa, não me sinto bem. E na maior parte das vezes insisto em pagar a minha parte.
- Ju, por favor!!! Isto é muito importante para mim! Também fui contigo quando foste conhecer aquele cromo da net, e lembras-te daquela vez...
- Pronto, pronto, ok, eu vou! Mas temos que ver como fazer em relação ao dinheiro. Tu quanto tens?
- Uhmmm, talvez uns 10 € na conta da Caixa e 5 na do Banif. Só se transferir esses 5 para a conta da caixa e dá para levantar 15. Isto se a máquina tiver notas de 5...
- Jess, a esta hora o dinheiro já não fica disponível. Tens 10 € então, não é? Isso é muito pouco. Só deve dar para uma salada sem bebida! Podíamos ir ver à net se o restaurante tem site com os preços da comida e assim já fazíamos uma estimativa do que podemos comer...
- Ok, boa ideia!
Vamos para o computador e de facto o restaurante tem página na internet mas não diz qualquer valor.
- Bem, Jess, para não dizer é porque não deve ser pouco! Eu tenho 12 € comigo, só se partir o mealheiro... E quando for para pagar digo que tinha estas moedas e quero aproveitar para trocá-las que estão a fazer peso na carteira...
- Eu também tenho aquelas moedas de 2€ dos países da UE. Posso levá-las só pelo sim pelo não...
- Jess! É a tua colecção!
- Não faz mal, não é para gastar, é só para estarmos mais tranquilas...

Dinheiro que juntamos:
36€ - moedas de 2€ de cada país aderente ao Euro;
5€ - moedas de 1€ comemorativas;
9,57€ - mealheiro da Ju (em moedas de 50, 20 e muitas de 10, 5 e 2 cêntimos)
12€ - todo o dinheiro da Ju (sem contar com o mealheiro)
10€ - da conta da CGD (com a caderneta – a Jess ainda não recebeu o cartão :/)

Bónus:
11€ - boletim do Euromilhões mais Joker da sociedade do escritório da Jess que ela ficou de registar.

Dinheiro contado, tínhamos um total de 83,57€. Ou melhor, 86,59€ depois da Jess encontrar uns trocos perdidos na mala.
Nada mau. Mas 36€ eram das moedas da colecção da Jess, que só deveríamos gastar em caso de vida ou morte. Só as levávamos para dizer que tínhamos dinheiro... De modo algum estávamos a pensar utilizá-las, quanto muito podíamos pagar um copo depois do jantar para criar clima.
Depois da confusão com o dinheiro, não tivemos muito tempo para nos arranjar. As unhas com efeitos ficam para um segundo encontro. Claro que o resultado final ficou bem composto, a Jess com umas skinny jeans e umas botas altas castanhas, adoptou o look casual chic com notas étnicas (adora brincos vistosos) e eu fiquei super elegante com os meus botins novos com mala a combinar, um vestido lindo e uns collants. Enfim, depois da maquilhagem feita à pressa demos um último olhar ao espelho e descemos satisfeitas, só com 5min de atraso, para encontrar os rapazes. Feitas as apresentações, o amigo cromo, não era assim tão cromo o que foi uma agradável surpresa.
Pouco depois fomos sentados, numa mesa junto à janela que dava para o rio. Não é à toa que este restaurante goza de tão boa reputação, pois é minimalista e extremamente sofisticado (esqueci de mencionar caro).
A conversa fluiu com descontracção e em tom animado com a Jessica a não perder oportunidade de jogar charme, como dizem os brasileiros, mas o Gustavo não parecia nada incomodado com a atenção. O empregado, só sorrisos, veio deixar os menus. Folheei as páginas e troquei olhares assustados com a minha amiga, definitivamente este restaurante era caro!
-Então já cá tinham estado? – Perguntou o Júlio (o amigo cromo)
-Oh sim, muitas vezes, adoramos vir cá – respondi com prontidão, afinal não era bem a primeira vez que lá íamos, teve aquela vez com o… bem, é melhor não entrar por aí.
- É bonito, não conhecia. Pelo que ouvi dizer vale cada cêntimo que cobra.

O jantar é agradável. Pedimos um Martini de aperitivo e uma entrada típica italiana e claro pão de alho. Depois acompanhamos o jantar com um delicioso Lambrusco e deliciamo-nos com as pastas caseiras e coloridas. Devíamos jantar sempre em restaurantes assim, aliás adoro o requinte deste espaço. O empregado é atento e enche o copo sempre que necessário e sem darmos por isso já vamos na segunda garrafa.
A Jéssica está nas nuvens com o seu Gustavo, que é divertido e interessante, e confesso que estou a adorar a noite.
No final, enquanto saboreio o meu Cioccolato Fondente e a Jess se delicia com um Semifreddo, conversamos sobre cinema e fazemos planos para um novo encontro.
-Lógico que nós insistimos em pagar a nossa parte – diz a Jess com voz sedutora e convicta, se eu não a conhecesse melhor acreditava. Só diz isso para não parecer mal, pois o que é mais do que lógico é que contamos que como os cavalheiros que são recusem a nossa gentil oferta e assumam esse encargo. Esperamos ouvir um “Não! Nem pensar, eu insisto, afinal tivemos a prazer da vossa companhia…” mas para nossa surpresa eles dizem:
-Bem, nós sabemos que uma mulher moderna não deve ser contrariada, por isso nem vou discutir. Fazemos como dizem e dividimos – responde o Gustavo com um sorriso.
A Jéssica ficou pálida mas manteve a compostura, eu nem sei, mas bebi o vinho que ainda tinha no copo de golada.
O talão apresentava um assustador valor de 172,40€ !!!
-Divide por 4 Gustavo e não se fala mais nisso – acrescentou o Júlio, bem-disposto.
Rapidamente tentei fazer os cálculos mentais, mas perdi-me nos números e não queria estar a tirar o telemóvel para fazer a soma. A Jess olhava-me com horror e culpa, quis esganá-la, mas coitada, estávamos no mesmo barco. Afinal quanto é 172,40€ a dividir por 4???
-Nesse caso fica 43,10€ a cada – responde o Gustavo, como se lesse os meus pensamentos – até ficou bem em conta! – Constata satisfeito.
Em conta! Meus Deus! Lá se foram as nossas economias!
-Dá-me só um instante para ir até ao WC – diz a Jess – Júlia vens comigo?
-Claro - respondo agarrando a mala.
Entramos na casa de banho e começo a hiperventilar.
-Eu sabia que devia ter ficado em casa!
-Amiga desculpa, desculpa mesmo – a Jess também está nervosa – não podia imaginar, afinal nós sempre fizemos isto!
- Sim eu sei – lamento.
-Temos dinheiro suficiente?
-Não sei, espero bem que sim – respondo tirando o telemóvel
43,10*2= 86,2
-Quanto é que tínhamos?
-84 – responde com um lamurio.
Agora sim começo a passar mal.
- Não espera, afinal tínhamos 86,59€ com aqueles trocos que encontrei!
Respiramos as duas de alívio, pelo menos temos o suficiente, mas como evitar a humilhação de pagar em trocos? E não ouvir comentários do género “assaltaram a caixa de esmolas da igreja?”
- Podemos ir já pagar, saímos daqui e vamos logo até ao balcão. Sem que eles reparem.
-Sim, ok. Eles ainda estão a terminar os digestivos, não devem reparar – concorda a Jess mais animada.
No Balcão pedimos para falar com o empregado que nos atendeu.
-Olhe, nós queremos pagar metade a conta. Só metade!
-Com certeza, como será feito o pagamento?
-Em dinheiro – digo, tirando a carteira.
-Nesse caso são 86,20€
Começo a tirar o dinheiro e a contar as notas e depois os trocos. A Jess nem ousa interromper-me, mas posso ouvir quando explica ao empregado com um risinho nervoso.
-Vocês estão sempre a precisar de trocos, certo?
Farta de contas, coloco o dinheiro todo no balcão.
-Penso que está tudo.
Ele fica ligeiramente arregalado, mas começa a verificar. Olho de esgueira para a nossa mesa onde o Gustavo e Júlio continuam em amena cavaqueira. Eu e a Jess trocamos olhares ansiosos enquanto o empregado separa as moedas pelo seu valor em montinhos.
-Minha senhora – assusto-me com a sua voz – tem 39 cêntimos a mais.
- Pode deixar ficar assim – responde a Jess com um sorriso e puxa-me pelo braço, rumo à mesa.
-Foi por pouco – diz baixinho.
-Bem, vocês demoraram – queixa-se o Júlio.
-Ah, aproveitamos e já pagamos a nossa parte.
-A sério!? Que rápidas. Estava aqui a dizer ao Júlio que tipo de cavalheiros seríamos se não pagássemos a conta. Mas nesse caso fica para uma próxima - concluiu simpático.
O meu sorriso simpático morreu-me nos lábios. Nem consegui disfarçar e não foi difícil convencê-los que estava indisposta e que tínhamos que recusar o convite para uma bebida…
Pelo menos a pasta estava óptima…

P.S- O boletim do Euromilhões estava premiado com o 11º prémio, que a Jess vai ter que pagar do próprio bolso. Mais 10,92€ a juntar à verdadeira ruína que foi aquela noite. Pelo menos não foi um prémio maior…

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